quarta-feira, agosto 25, 2010

Lance de Cor

Minha vó morreu quando eu estava em vias de prestar vestibular para Direito. Só a idéia da Academia já lhe era saborosa. Uma neta doutora, minha Nossa Senhora! Hoje, há poucos meses da formatura, minha vó me veio em lembrança com o seu cabelo de zebra. Branco. Preto. Branco. Preto. Sempre que minha mãe desejava um sábado de folga de mim, me empurrava para casa da Dona Conceição. Eu gostava, logicamente. Vó faz sempre mais vontade que mãe. Às vezes ela me irritava, no entanto. Refém da ignorância própria das suas contemporâneas, minha vó era uma negra escravocrata que se orgulhava muito de ter se casado com um branco e de ter netos, aos seus olhos cansados e distraídos, pardos.
Enquanto estudava, sonolenta, para a prova da quinta, recebi a notícia de sua morte. Perder vó é perder parte de si mesma. Parte da história que ela contava em capítulos forçando a memória já embaraçada pelos anos. Lembrei da cocada com amendoim, do jogo de dominó, da sua paixão por Sílvio Santos, do quintal com carambolas, da colcha de retalhos. Pena ela ter partido antes da alforria. Será que no céu tem esse lance de cor?

sábado, agosto 14, 2010

Mulherzinha

Eu: a mesma que tantas mulheres
A beleza insegura que desafia o espelho.
Os medos que tornam os braços estéries
Dentro de outros abraços suspeitos.
A memória que, reticente,
Não esquece o laço desfeito.
De um amor distante. O eleito.
Que, enfim, aconteceu.
...

A beleza insegura que questiona o espelho:
'Merda, merda, merda! Porque não eu?'
E em tardes de raro ócio,
À caça da lembrança que no tempo se perdeu,
Me consolo em poesia rasa e clichê.
Eu: mais uma entre tantas mulheres
Tola como qualquer outra,
Que por debaixo da armadura,
Deve ser.